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Entenda a investigação que motivou operação policial contra suposto esquema de corrupção em órgãos da Prefeitura de Goiânia

Entenda a investigação que motivou operação policial contra suposto esquema de corrupção em órgãos da Prefeitura de Goiânia

access_time 1 mês ago

Prefeito Rogério Crus em coletiva de imprensa ao lado de Luan Alves e Denes Pereira, investigados na operação e ao lado esquerdo no prefeito o deputado Clécio Alves

A Polícia Civil de Goiás (PC) cumpriu, nesta quarta-feira, 20, mais de 30 mandados de busca e apreensão em uma operação com o objetivo de apurar licitações suspeitas realizadas por órgãos públicos do município de Goiânia que teriam sido fraudadas. Essa foi a maior operação para investigação de crimes de corrupção e que já envolve diretamente três secretarias.

Entre os alvos da operação estão o presidente da Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma), Luan Alves; o secretário de Infraestrutura Denes Pereira, e o presidente da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg), Alisson Borges, além de outros servidores municipais ligados a essas pastas e representantes de empresas suspeitas de integrarem o esquema.

Segundo os investigadores, os esquemas de fraudes licitatórias ocorrem desde 2022 e podem ter lesado os cofres públicos em mais de R$ 50 milhões. A reportagem do Jornal Opção teve acesso ao inquérito policial, dividido em dois volumes e com quase 350 páginas, que narra o que seria um intrincado esquema de favorecimento por parte de servidores públicos a determinadas empresas em contratos e aditivos, incluindo o ajuste, conluio, alinhamento ou combinação de preços entre os licitantes, além de sobre preço ou superfaturamento.

As investigações também constataram que a Prefeitura deixou de passar informações sobre licitações ao Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) ou passou informações que não correspondiam ao registrados no Portal da Transparência da Prefeitura de Goiânia. Alguns contratos também não foram encontrados nos dados abertos da administração municipal.

Amma

A Agência Municipal do Meio Ambiente de Goiânia (Amma) e seu presidente, Luan Deodato Machado Alves, foram alvos de mandado de busca e apreensão. A motivação é a suspeita sobre contratos da agência para aquisição de materiais para obras no valor de  R$ 13,2 milhões.

O inquérito da Delegacia Estadual de Combate à Corrupção (Deccor) foi aberto no dia 25 de outubro de 2023 e investiga três contratos da Amma: 28/2022, 34/2022 e 01/2023. Para todos estes, a Amma utilizou ata de preços realizada pela prefeitura de Rio Verde em 2021 como referência.

O contrato 28/2022 foi firmado entre a Amma e a empresa Sobrado Materiais Para Construção, no valor de R$ 2,7 milhões. Relatório de inteligência da Policia Civil do Estado de Goiás revelou que os preços contratados ficaram abaixo daqueles praticados no mercado para a maioria dos itens. O orçamento feito pela Polícia Civil revelou que o valor contratado seria suficiente para adquirir apenas 49% dos itens.

O contrato 34/2022 tem valor total de R$ 2,3 milhões, dos quais a Sobrado Materiais Para Construção foi contemplada com R$ 349,9 mil. Entretanto, o contrato não teria sido disponibilizado nos portais da transparência da Prefeitura de Goiânia nem do TCM, e no campo destinado ao arquivo do documento, foi juntado uma Nota de Movimentação Orçamentária e Financeira no valor de R$ 174 mil, tendo a Sobrado como beneficiária.

Neste contrato, apenas o valor da tela de arame adquirida pela Amma corresponde a aproximadamente 50% do preço de mercado, o que poderia tornar o contrato inexequível vez que somente este item corresponde 93% do valor total contratado.

O contrato 01/2023 tem valor de R$ 773.159. Comparando os valores do contrato com valores de orçamento feito pela Polícia Civil, agentes apontam que preços de oito itens estão muito abaixo do valor de mercado, enquanto um item aparenta estar superfaturado. Novamente, a empresa contratada foi a Sobrado Materiais Para Construção.

No inquérito, se lê: “a Amma pactuou o valor de R$ 1,14 por cada tijolo, somando um total de RS 102.600,00, enquanto o preço de referência à época era de apenas R$ 0,71. Vislumbra-se um possível sobrepreço com aparente prejuízo ao erário no aporte de RS 38.700.”

Ao fim da análise de valores, a Superintendência de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Goiás (SES-GO) afirma que são necessárias diligências na fase de apuração para observar possível superfaturamento. “Os valores contratados encontram-se muito abaixo do preço de referência, o que aparentemente tornaria o contrato inexequível”, conclui.

Contatada, a assessoria de imprensa da Amma afirmou que seu posicionamento é igual ao posicionamento proferido pelo prefeito Rogério Cruz (Republicanos) em coletiva de imprensa concedida na manhã desta quarta-feira, 20. Na ocasião, o prefeito de Goiânia reforçou sua posição de colaboração com as investigações e que sua administração é pautada na transparência e é a maior interessada no esclarecimento de eventuais crimes que lesam a administração e a população.

Rogério Cruz reiterou ainda que a Polícia Civil tem o apoio irrestrito da administração. Em resposta aos questionamentos da imprensa, Rogério Cruz confirmou que os contratos licitatórios seguem o que estabelece a Lei de Licitações, e que muitas dessas empresas já prestam serviço à Prefeitura há mais de duas décadas. Assim como todos os procedimentos de tramitação de processos de licitação são acompanhados pela Controladoria-Geral do Município (CGM).

Seinfra

Um dos alvos da operação, o atual titular da Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinfra), Denes Pereira, é mencionado por diversas vezes pela Polícia Civil em um inquérito de 200 páginas sobre um aumento exorbitante nos valores de contratos e aditivos com as empresas investigadas, aumento esse que ocorreu, segundo a PC, após Denes assumir duas importantes pastas: a Seinfra e a Secretaria Municipal de Administração (Semad), responsável justamente pela gestão de contratos com a Prefeitura de Goiânia.

De acordo com a investigação, em relatório de inteligência da a Gerência de Ações Estratégicas da instituição, encaminhado à Deccor, conta o relato de uma notícia de fato dando conta que Pereira teria contatado as empresas Comercial J. Teodoro e Gyn Comercial Atacadista Ltda. para “intensificação das relações comerciais com alguns órgãos vinculados à Prefeitura desta capital, em troca de vantagens indevidas.”

Ainda conforme narrado no inquérito, diante da denúncia, a PC fez levantamentos iniciais para identificar quais seriam esses contratos, quantos estão em vigência e se a denúncia teria fundamentação lógica dentro “da estrutura pública municipal da Prefeitura de Goiânia”.

Com relação ao Comercial J. Teodoro, a PC afirma que foram identificados, junto ao Portal da Transparência, que até julho de 2022, antes de Pereira assumir a Secretaria Municipal de Administração (Semad) e a Seinfra, a empresa possuía apenas cinco novos contratos e três termos aditivos, totalizando R$ 5,1 milhões. Após o atual titular da Seinfra assumir a pasta e a Semad, em agosto de 2022, a mesma empresa consolidou 13 novos contratos com a Prefeitura, além de um termo aditivo elaborado em agosto do mesmo ano, totalizando R$ 53,5 milhões, “ou seja, um aumento de quase 908%”, narra o inquérito.

Veja trecho do inquérito:

“Como podemos verificar nos documentos acostados no relatório policial, todos os contratos pactuados pelos órgãos da Prefeitura Municipal de Goiânia-GO com a empresa Comercial J. Teodoro, foram realizados por órgão ligados diretamente a Denes Pereira Alves ou a sua Secretaria Municipal de Administração e de Infraestrutura Urbana de Goiânia-GO, fato muito estranho, uma vez que a administração municipal da capital é muito extens1 cheia de secretarias e departamentos, além do fato de ter realizado tantos contratos vultuosos nos últimos sete meses, que somados ultrapassam os gastos da pasta com essa empresa em muitos milhões de reais’”.

Quanto à Gyn Comercial, a Polícia Civil relata que, até julho de 2022, a empresa tinha apenas quatro contratos com o Paço Municipal, que somavam R$ 9,4 milhões. Contudo, a partir de outubro de 2022, o número de contratos passou de quatro para oito, totalizando R$ 72,1 milhões. A PC afirma, inclusive, ter tomado conhecimento de que a empresa Sobrado Materiais para Construção, vencedora de diversos pregões eletrônicos promovidos por órgãos da Prefeitura de Goiânia, estaria relacionada ao mesmo dono da Gyn Comercial.

De acordo com o inquérito policial, fica “demonstrado até o momento uma intensa relação comercial entre as empresas citadas [Gyn Comercial, J. Teodoro e Sobrado] e os órgãos e departamentos ligados a tais servidores da Prefeitura Municipal de Goiânia-GO, fato que começou a ocorrer após a ascensão do servidor Denes a chefia da Secretaria Municipal de Administração e de Infraestrutura Urbana da Prefeitura de Goiânia-GO”.

Em nota, a Seinfra declarou o que o 87% dos contratos investigados pela Operação foram firmados com a Comurg, portanto, sem relação com o secretário Denes Pereira, da Seinfra. A nota ainda informa que as licitações realizadas pela Prefeitura são, em sua maioria, geridas pela Secretaria Municipal de Administração (SEMAD), exceto as da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e Comurg e finaliza dizendo que o aumento no número de contratos coincide com a gestão do secretário Denes Pereira à frente da Seinfra, uma vez que o Programa Goiânia Adiante, que lançou obras de infraestrutura em todas as regiões da capital, foi lançado em outubro de 2022.

Comurg

No segundo volume do inquérito, que contém 120 páginas,  investigação apura que as licitações da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) deixam fortes indícios de favorecimento à empresa Sobrado Materiais Para Construção, vencendo a maioria das licitações da empresa pública na maioria dos itens licitados. A empresa é do mesmo dono da Gyn Comercial, Raimundo Rairton.

Nos lances dos pregões eletrônicos a Sobrado dava lances subfaturados, ou seja, abaixo do valor de mercado enquanto outras empresas, em seguida, aplicavam lances acima do valor de mercado ou do valor de referência, caracterizando um comportamento incomum na disputa.

A Sobrado venceu quatro dos cinco pregões suspeitos que constam no inquérito. As licitações 049, 050, 030, e 014, todas de 2022 foram vencidas pela empresa, apenas o pregão 044 de 2022 foi vencido parcialmente pela Sobrado que dividiu alguns itens com a Comercial J.Teodoro, também investigada na operação.

Dos cinco pregões investigados não constava o termo de referência, que é o balizador dos preços para a licitação. Também fica constatado pela PC que em quatro pregões não houve disputa entre os licitantes. O terceiro critério aponta que os valores dados como lance tornam o contrato inexequível.

Dos contratos gerados em cada um destes procedimentos, apenas o de número 090 de 2022, fruto do pregão eletrônico 014 do mesmo ano, não apresentou uma aparente inexequibilidade em razão dos preços. Porém em menos de cinco meses após a assinatura do contrato foi realizado um aditivo elevando o valor global em 62% acima do valor anteriormente pactuado entre a Comurg e a Sobrado.

Por fim, a polícia entendeu que existe um possível superfaturamento de R$ 2,3 milhões ao comparar os novos valores do primeiro aditivo do contrato. A suspeita é que a inexequibilidade do contrato era um pretexto para superfaturamento no ajuste gerado nos aditivos do contrato.

Outro ponto destacado no inquérito é que as empresas Comercial J. Teodoro e Gyn Comercial e Atacadista mantem 72,7% dos seus contratos firmados com a Comurg, se considerados os relacionados à Prefeitura.

A Gyn Comercial e a Comercial J. Teodoro também têm contratos com a Comurg e que tiveram aditivos no preço, ou seja, contém aditivos suspeitos de superfaturamento em e renovação de contratos com valor e quantidade de itens muito superiores e considerados “discrepantes” pelos investigadores em relação a contratos anteriores. A Comercial J. Teodoro já executava o contrato de número 024 de 2022 para aquisição de 50 mil pacotes de sacos de lixo no valor de R$ 3,3 milhões.

A empresa acabou vencendo outra licitação com um pedido de 150.000 pacotes de sacos de lixo, ou seja três vezes mais, no valor de R$ 10 milhões. A desconfiança dos investigadores é relatada com a discrepância dos valores em contratos executados no mesmo ano. Para os investigadores a crise enfrentada pela companhia com a coleta de lixo colaboram com os indícios de que os sacos de lixo licitados nos dois contratos não foram ou não estão sendo entregues.

Em nota, a Comurg informou que colabora com as investigações e que e contribui com o acesso das equipes da polícia a todos os documentos necessários. A nota ainda ressalta que o presidente Alisson Borges possui pretensão político eleitoral no ano de 2024, razão pela qual já teria que se descompatibilizar do cargo até o dia 6 de abril, sendo assim resolveu antecipar sua saída, apresentando nesta data ao Prefeito Rogério Cruz, seu pedido de renúncia do cargo.

Fonte: J. Opção

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