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“Bem ou mal, o que existe é a possibilidade de eleição indireta de um novo presidente”
Ele não tem papas na língua. O procurador da República Ailton Benedito de Souza, que atua na área de Direitos do Cidadão, na Procuradoria da República em Goiânia, é uma metralhadora giratória e não poupa a classe política nas críticas ácidas que desfere nas redes sociais. Vira e mexe ele abre uma investigação para apurar fatos inusitados ou que tiveram repercussão na mídia, como a expulsão da palestrante antifeminista Thais Godoy Azevedo, atacada por estudantes contrários ao seu posicionamento em relação ao movimento feminista, fato ocorrido durante uma palestra realizada dentro da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás. Durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Roussef, ele expediu uma recomendação polêmica proibindo atos políticos em prédios federais em Goiás. E também é defensor do projeto denominado Escola sem Partido. Enfim, Ailton Benedito não fica em cima do muro. Na entrevista, além desses assuntos, ele fala sobre o cenário político nacional, eventual substituição do presidente Michel Temer e sobre a Operação Lava Jato.
Manoel Messias Rodrigues
Tribuna do Planalto – O país encontra-se agora numa encruzilhada: um presidente denunciado por corrupção e um Congresso sem força moral para destituí-lo e indicar seu substituto. O que fazer?
Ailton Benedito de Souza – O Brasil vive em crise permanente, está sempre em crise. Agora se percebe claramente que hoje existe uma dissonância entre a sociedade e o mundo político, uma separação absurda, parece que cada um cuida de seus interesses. Com tudo isso que está acontecendo, denúncia contra o presidente, não se vê as pessoas nas ruas protestando pela queda do presidente, como no caso do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Entendo que as pessoas estão mais céticas com os acontecimentos políticos. As pessoas têm que aprender a não acreditar em tudo que é dito, posto, publicado no mundo político, porque o mundo político tem uma distância enorme das pessoas. Não embarcar nas canoas furadas é salutar. Ninguém sabe o que está acontecendo em Brasília, ninguém sabe o que acontecerá, então a cautela é a mais salutar das condutas.
O sr. acha que o presidente Temer tem estatura para seguir no cargo após tudo que foi revelado?
Como eu não sei exatamente todo o conteúdo desses processos que o envolvem, eu não posso nem afirmar se esses processos são suficientes para justificar sua destituição ou não. O certo é que, de acordo com o que está noticiado, hoje ele está denunciado, o processo segue pra Câmara, que tem a prerrogativa de autorizar ou não o processo contra ele. Muitos podem questionar a legitimidade moral dos parlamentares para decidir. Ora, esses foram os parlamentares eleitos recentemente pela sociedade. Estes mesmos parlamentares, acusados de não ter moral para resolver a situação do presidente. Acusa-se o Congresso, a Câmara dos Deputados de não ter legitimidade moral para eleger um novo presidente, mas querem que este mesmo Congresso tenha moral para aprovar uma emenda constitucional que anteciparia a eleição direta para presidente, o que é, racionalmente falando, uma coisa sem pé nem cabeça. Então é por isso que as pessoas são céticas. Ao mesmo tempo aquele ente que não tem moral para uns, passa a ter moral se for atender determinados interesses. Hoje, bem ou mal, certo ou errado, o que existe é a possibilidade de eleição indireta de um novo presidente, pelo Congresso.
Mesmo com vários órgãos de combate à corrupção no País, a Operação Lava Jato mostra que eles não funcionam como deveriam. Não seria o caso de institucionalizar a Lava Jato como órgão permanente?
Já existem instituições permanentes, que devem ser corrigidas, aprimoradas. Não é possível se pensar numa Lava Jato eterna. A Lava Jato é uma congregação de esforços de instituições que já existem e que estão cumprindo suas funções no âmbito da Lava Jato. A Lava Jato revela que existe um grau de contaminação pela corrupção no Brasil das instituições, como nunca antes na história desse país. Nunca antes na história do país houve um esquema de corrupção tão intenso, abrangente e profundo como é esse desmascarado pela Lava Jato. Um esquema comandado por uma organização criminosa não só para interesses pecuniários de seus integrantes, mas uma organização criminosa que visa tomar de assalto o estado, transformar e permanecer dominando esse estado para a eternidade. Não é uma organização criminosa de corrupção periférica, que sempre existiu. O que acontece é que houve uma mudança de natureza da corrupção dentro desse processo, com a corrupção sendo usada não só para enriquecimento pessoal, como método, ação de governo, de política. Além disso, a Lava Jato expõe a ineficiência, as falhas dos órgãos de combate e controle da corrupção. A própria existência da Lava Jato é a prova dessa ineficiência dos órgãos de combate à corrupção.
O sr. constantemente cita o termo Orcrim nas redes sociais, indicando que ela inaugurou a corrupção sistêmica no país. Quem é a Orcrim?
Orcrim é o que está na lei que estabelece o combate às organizações criminosas. Orcrim na verdade é este ente que perpassa o estado, a sociedade, independentemente do partido A, B ou C; ela congrega tais esforços e tais entes de partidos políticos, estatais, órgãos públicos, que praticamente ela se torna o ente mais relevante, ainda que não se possa dizer que ela tenha um CPF, uma identidade. Ela toma de assalto o estado, para fazer dele seu instrumento de assalto à sociedade. E aí se distingue da corrupção endêmica, que sempre existiu na periferia do sistema político, mas nunca teve o objetivo de tomar de assalto o estado e tornar irrelevante a democracia, como faz a Orcrim.
“A reforma trabalhista pode regularizar muitas relações de trabalho informais”
O sr. declarou que é a favor da reforma trabalhista. O sr. não vê nessa reforma uma certa precarização dos direitos do trabalhador, que é a parte mais vulnerável na relação trabalhista?
Eu acho que é uma falácia, dizer que a reforma trabalhista gerará precarização do trabalho. A reforma trabalhista moderniza a CLT, trazendo para o século XXI um instrumento normativo da década de 1930, com bases fascistas, praticamente uma cópia da Carta del Lavoro, feita para outra época da história e da economia. Hoje as possibilidades de trabalho são muito amplas e a CLT não consegue mais absorver essa miríade de possibilidades de relações de trabalho. Mas veja que 50% da economia brasileira está na informalidade, logo os trabalhadores dessa economia não são protegidos pela CLT, estão em situação de absoluta precariedade, sob o aspecto jurídico, porque não têm seus direitos observados, pois estão na ilegalidade.
O sr. acha que parte desses informais serão incorporados à economia formal?
Com as mudanças da reforma trabalhista, sem dúvida abre-se a possibilidade de que muitas relações de trabalho que hoje estão na informalidade possam ser regularizadas, aumentando inclusive a segurança jurídica de empregadores e trabalhadores.
A reforma todavia não garante um salário mínimo digno, suficiente para a satisfação das necessidades mínimas do indivíduo…
Aí é questão da economia. O salário mínimo no Brasil é uma segurança jurídica para aqueles que estão na formalidade. O salário mínimo muitas vezes prejudica pessoas que poderiam trabalhar jornadas menores e ganhando proporcionalmente, mas que não podem por impossibilidade legal. Entendo que é preciso discutir a questão do salário mínimo, mas com todos os vieses possíveis, porque hoje ele serve mais como bitola para a previdência social do que uma realidade de mercado.
“O objetivo do MPF é tratar das ações ou omissões ilícitas da UFG em relação ao caso”
Explique para nossos leitores as principais atribuições da área que o sr. atua no Ministério Público Federal (MPF).
O MPF integra o Ministério Público da União, juntamente com o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios. O MPF exerce atribuições relacionadas a fatos criminosos, ilícitos em geral que de alguma forma atinjam interesses da União. Nessa perspectiva, o MPF desenvolve ações de combate à corrupção envolvendo autarquias federais, como Ibama, Incra, INSS, ações de natureza cível no Sistema Único de Saúde, por exemplo, falta de medicamentos. O caso mais emblemático do MPF mais recente na área de tutela do patrimônio público é a Lava Jato, que tem repercussões na esfera criminal e na tutela coletiva, com ações pra punir agentes públicos e particulares que usam a corrupção para assaltar o estado brasileiro, como ações cíveis visando a tutela coletiva, a reparação dos danos causados ao patrimônio público, todas ações movidas pelo MPF diante de violações dos interesses da União.
Quais as ações que o sr. considera mais relevantes durante a sua atuação no Ministério Público?
Em Goiás, na Procuradoria da República a minha atuação está no núcleo de tutela coletiva, especificamente desenvolvo ações relacionadas nas áreas de saúde, direitos humanos, direitos do cidadão. Havendo situações que violem direitos dos cidadãos e interesses da União, aí demanda ação do MPF, que pode ser iniciada tanto por provocação, representação, denúncia ou por iniciativa própria.
No início do mês o sr. abriu procedimento preparatório para apurar ações ou omissões ilícitas da União e da Universidade Federal de Goiás no episódio de expulsão da palestrante antifeminista Thais Godoy Azevedo, por estudantes contrários ao seu posicionamento em relação ao movimento feminista. O procedimento andou?
Instauramos uma investigação de ofício, ou seja, de iniciativa própria e, depois, houve representações, que foram reunidas no procedimento. O objetivo do MPF é especificamente tratar das ações ou omissões ilícitas da UFG em relação a esse caso, uma vez que o espaço da UFG foi cedido a realização de um evento e a instituição tem o dever de zelar para que seus espaços sejam utilizados de acordo com os interesses da universidade. Quando cede seu espaço para uma palestra, seja sobre o que for, ela tem que zelar para que seja bem utilizado. E o que aconteceu naquele caso, em princípio, está em apuração, foi que a palestra foi impedida por pessoas que de alguma forma estavam insatisfeitas com a realização daquele evento na instituição de ensino. A UFG, como todas as instituições de ensino do estado, pertencem à sociedade. Não cabe a pessoas privadas, insatisfeitas com alguma ação específica, por ato próprio ir lá e tentar impedir a realização desse evento. Se está insatisfeito, deve-se usar os canais competentes, inclusive para reclamar, se aquele vento viola algum direito ou interesse público. Por isso houve a instauração dessa investigação.
“A sala de aula não é um ambiente onde o professor pode fazer e acontecer”
O sr. é defensor do projeto Escola Sem Partido. Em que pé anda essa discussão?
O projeto Escola Sem Partido decorre de um movimento mais antigo, o Movimento Escola Sem Partido, que visa impedir que as instituições de ensino sejam utilizadas com fins político-partidários. Já existem projetos nesta linha implantados em diversos municípios do Brasil e em discussão em assembleias legislativas e também no Congresso Nacional há projetos visando incorporar o Projeto Escola Sem Partido no ordenamento jurídico nacional. Eu pessoalmente defendo a aprovação desse projeto no sentido de preservar as escolas de utilização indevida com finalidade político-partidária. Entendo que o objetivo primordial do sistema de ensino é formar a criança, o adolescente para que ele próprio possa decidir sobre sua vida, de acordo com seus valores, seus interesses, sem uma imposição de natureza político-partidária quando essas pessoas ainda não estão plenamente desenvolvidas, não têm nem condições de avaliar o real teor daquilo que está sendo transmitido na instituição de ensino. Por entender que o projeto está de acordo com a Constituição e diversos instrumentos internacionais de que o Brasil é signatário, é que eu defendo sua implantação aqui no Brasil – sem nenhum prejuízo para que os professores desempenhem suas atividades de acordo com liberdade de cátedra. O projeto preserva a liberdade de cátedra, porque impede que a atividade de magistério seja utilizada de forma indevida, manipulada sob o prisma político-partidário.
Mas aí não se invadiria a relação professor/aluno, além de haver a dificuldade de punição para quem transgredir a norma?
O projeto não prevê punição para o professor; prevê o dever da escola de informar aos alunos os seus direitos, que já estão previstos no ordenamento jurídico. Evidentemente que o professor que hoje viola o ordenamento jurídico está sujeito a todo tipo de sanção, penal, cível, criminal às vezes. O aluno tem a sua contrapartida dentro da liberdade de cátedra, tem o direito de receber do professor o conteúdo cognitivo de acordo com o que está no projeto pedagógico, no currículo da escola; não cabe ao professor, ao seu bel-prazer, decidir o que deve ou não ensinar ao aluno. Na relação professor/aluno não existe uma liberdade absoluta do professor em sala de aula. Estando em escola pública, o professor está sujeito a todo tipo de fiscalizações como qualquer agente público exercendo suas funções, como um policial, um procurador. A sala de aula não é um ambiente inexpugnável onde o professor pode fazer e acontecer de acordo com seus interesses privados e partidários. Sendo aprovada, uma lei obrigaria as escolas a informar, com cartazes, quais são os direitos dos alunos na sua relação com o professo