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Dois deputados de Goiás são citados em compra de tratores superfaturados
Esquema envolveria emendas secretas destinadas à compra de maquinários superfaturados em troca da garantia de apoio ao presidente Jair Bolsonaro; oposição fala em CPI para investigar suspeita
Reportagem do jornal O Estado de S.Paulo mostrou, no domingo (9), que José Nelto (Podemos) e Vitor Hugo (PSL) indicaram ao Ministério do Desenvolvimento Regional, pasta responsável pelos R$ 3 bilhões apontados como sendo destinados à conquista de apoios no Congresso, a compra de maquinários agrícolas com preços maiores dos que os adotados como referência pelo próprio governo.
Segundo a reportagem, o primeiro indicou quatro motoniveladoras — equipamento utilizado para nivelar terrenos — por R$ 723 mil cada, R$ 139 mil mais cara do que outras máquinas do tipo com compra aprovadas pelo governo; já Vitor Hugo conseguiu a liberação de R$ 2,8 milhões para compra de quatro motoniveladoras, apesar de tabela do governo apontar custo de R$ 500 mil a menos pelas máquinas.
Os recursos dizem respeito ao Recurso Primário 9 (RP9), criado em 2019, e chamado geralmente de emenda do relator-geral do Orçamento, que garantiu ao Congresso Nacional mais poder na definição do Orçamento da União, visto que deu aos parlamentares a prerrogativa de definir como parte do orçamento dos ministérios será executado ao longo do ano.
Na prática, esses recursos institucionalizaram mais um tipo de emendas parlamentares — há três tipos de emendas que deputados e senadores já podiam destinar a seus Estados e municípios: as individuais impositivas (RP6); as de bancada, também impositivas (RP7); e as de comissões (RP8).
Antes da criação da RP9, os parlamentares contavam com uma “emenda extra orçamentária”, mas que dependiam de articulação junto aos ministérios. Essas indicações entravam no chamado RP2, que são recursos discricionários dos ministérios usados para custeio, como de saúde e educação, ou investimentos, como obras e compra de equipamentos — o uso e destino do dinheiro depende da atribuição de cada pasta; o Ministério do Desenvolvimento Regional, por exemplo, destina obrigatoriamente seus recursos para obras e maquinário.
Desde a criação do RP9, contudo, esse tipo de “emenda” passou a entrar nessa nova tipificação orçamentária. As siglas têm uma função técnica e servem para criar o rito, o modo de elaboração, destinação e execução de cada recurso.
Apesar de a prática de indicação de recursos por deputados e senadores ser antiga, porém, agora, isso ganhou contornos mais claramente políticos, desde que o governo passou a atuar mais fortemente para fortalecer a sua base. O presidente Bolsonaro chegou a vetar a criação do RP9 na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2020, sob o argumento de que a tipificação contrariava o interesse público.
Desde que se aproximou dos partidos do Centrão, contudo, passou a fazer vistas grossas à questão. A articulação de ampliação da base serviu para o Planalto conseguir, por exemplo, eleger Arthur Lira (PP-AL) presidente da Câmara, a despeito de Baleia Rossi (MDB-SP), que era apoiado por Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Outro Lado
José Nelto diz que é função do deputado indicar recursos para os municípios, mas que o preço dos equipamentos não cabe a ele, em referência ao fato de que as motoniveladoras indicadas por ele estavam R$ 139 mil mais caras do que outras máquinas do tipo com compra aprovadas pelo governo.
“Sou obrigado a indicar, agora, quem compra, quem vende, isso não é com o deputado. Preço também. Quem dita preço é o mercado. Se tem alguma coisa errada, pune e bota na cadeia. Bota a Polícia Federal, o Ministério Público Federal (para investigar) se tem alguma coisa errada no ministério ou em quem está comprando lá”, diz.
O Ministério Público e o Tribunal de Contas da União (TCU) devem investigar o orçamento secreto e deputados federais já falam na criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a questão. O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) iniciou ontem a coleta de assinaturas para abertura da comissão.
Questionado sobre a destinação das indicações, José Nelto diz: “Nem sei. Indiquei maquinários: patrola, retroescavadeira. Tem três anos que estou indicando a 150 municípios.” A respeito do valor de sua “cota”, o deputado também diz não saber. “Depende do Orçamento. Você pode ter R$ 5 milhões, R$ 2 milhões, R$ 3 milhões.”
Sobre ter sido procurado para apoiar o governo em troca das indicações de recursos, ele garante: “Não tenho nenhuma conversa com o governo, com ninguém. Isso é trabalho meu com os ministérios. Não sou da base do governo. Aliás, sou oposição”.
Em nota, Vitor Hugo diz que a atuação parlamentar pressupõe a busca por recursos, “seja por meio de emendas impositivas, com previsão constitucional, ou por meio de recursos discricionários de programação nos Ministérios, que hoje possuem previsão legal”.
O texto ressalta que, no caso das emendas RP9, “as indicações são feitas com a disponibilização do valor e da ação orçamentária disponível no Ministério”. “O Município tem autonomia para cadastrar os objetos dentro de suas necessidades e o Ministério procede a análise da proposta de acordo com a documentação apresentada. Não houve sugestão de preços para aquisição de nenhum dos itens citados na matéria.”
Segundo o deputado, a tabela utilizada como referência para mostrar que suas indicações estavam com valores acima do praticado é de dois anos atrás e “não reflete os valores reais”. “A cartilha não considera as variações de preço que os equipamentos podem sofrer, em cada Estado, e não leva em consideração a inflação e o momento econômico. “Caso o equipamento apresente variação de valor, o município requisita ao Ministério do Desenvolvimento Regional um Termo Aditivo ou Supressivo, de acordo com a situação, para os ajustes necessários para a execução da proposta.”
Deputado isenta correligionário
Também aparece na reportagem do jornal O Estado de S.Paulo o deputado goiano Lucas Vergílio (Solidariedade), que é citado por seu companheiro de partido, deputado Ottaci Nascimento (RR), como tendo solicitado a ele a indicação de recursos para compra de máquinas agrícolas para Padre Bernardo, cidade do Entorno de Brasília, e que fica a aproximadamente 2 mil quilômetros de distância de sua base eleitoral. Juntos, Nascimento e Bosco Saraiva (AM), também do Solidariedade, direcionaram R$ 4 milhões à cidade goiana, valor superior ao necessário para aquisição dos equipamentos.
Ao Estadão, Saraiva disse que atendeu a pedido de Nascimento, que por sua vez, afirmou ter aceito solicitação de Vergílio. Ontem, porém, a liderança do Solidariedade na Câmara, assumida recentemente pelo goiano, enviou nota de Nascimento recuando da fala. No texto, ele garante que sua indicação não se deu por pedido de Vergílio. “Subscrevi essa indicação no ano passado. Vale destacar que atendo esses legítimos pleitos, pois sempre recebo apoio quando preciso levantar recursos para Roraima”, relata o deputado no texto.
Em nota, Vergílio também negou pedido ao colega de partido. “Em nenhum momento solicitei ao deputado federal Ottaci Nascimento (RR), nem para nenhum outro parlamentar do Congresso Nacional, destinação de emenda para aquisição de máquinas agrícolas que vise atender o município de Padre Bernardo, em Goiás, nem de qualquer outro município no meu Estado.” A reportagem apurou que a fala de Nascimento sobre Vergílio gerou desconforto entre os dois.
Fonte: O Popular