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Que vayan todos!
Por: Fernando Safatle é economista
A crise política na Argentina, em dezembro de 2001, corria solta com desencanto completo da população com seus dirigentes. Recessão, desemprego e inflação conjuminavam uma combinação explosiva que corroía e erodia o prestígio e credibilidade de toda a classe política, tanto da situação quanto da oposição.
A palavra de ordem, “ Que vayan todos!”, turbinou os protestos exigindo a renúncia coletiva dos governantes. A população não teve sucesso em sua reivindicação, mas nem por isso a palavra de ordem deixou de ecoar altissonante como grito indignado nas avenidas e ruas da Argentina. Qualquer semelhança com o Brasil de hoje não é mera coincidência. A degeneração da classe política por aqui também causa perplexidade a todos. Aliás, a crise que atravessamos tem contornos nitidamente mais graves do que aquela vivido naquela época pela população argentina.
A desmoralização e o descrédito da classe política e, agora, depois do escândalo da votação do TSE absolvendo a chapa Dilma-Temer, contaminando também o judiciário, agravou ainda mais a indignação da população com seus dirigentes. De repente a população se deu conta da dimensão inusitada da podridão que tomou conta de todas as esferas de governo. Um conluio e promiscuidade intrinsicamente embrenhada em todos os poros dos três poderes. Sempre protegendo uns aos outros. Quando se esperava o judiciário cumprir com sua função precípua de investigar e julgar com retidão, ele contraria todas as expectativas e absolve não por insuficiência, mas por excesso de provas. Um escândalo!
Em que pese o fato do Temer ter ganhado uma sobrevida com a decisão do TSE, a decomposição de seu governo caminha célere. Cada dia aparece fatos novos e novas denúncias que revigoram a corrosão de sua credibilidade. É um torvelinho de tropeços e caídas. Reune governadores para distribuir benesses em troca de apoio no Congresso, com isso o mercado fiador das reformas faz a leitura de que está afrouxando o rigor fiscal.
Assim, sua credibilidade enquanto condutor das reformas sofre prejuízos irreparáveis junto ao mercado. Quanto mais se desgasta politicamente mais é obrigado a abrir os cofres públicos para angariar apoio político e, consequentemente, seu projeto de reforma vai sendo devorado pela voracidade do apetite insaciável de seus apoiadores.
A classe dominante está dividida. Parte dela apoia a permanência de Temer diante de um cenário imprevisível se ele cair. Tem medo do que virá. Outra parte quer sua saída por não acreditar mais em sua capacidade em conduzir o processo de reformas. Para se manter adiante vai ter que pagar um alto preço, o que compromete a manutenção do conteúdo consistente das reformas. Diante desse quadro de instabilidade, as opiniões mudam tal qual se viu recentemente ocorrer, para estupefação geral: a adesão de Fernando Henrique às eleições gerais. Ora, poucos dias atrás ele mesmo capitaneou apoio de seu partido, o furibundo PSDB, a Temer.
Com a péssima repercussão que causou essa atitude e o desgaste interrupto de Temer, FHC embarca na tese das eleições gerais como única maneira do país se recompor consigo mesmo e ganhar um mínimo de estabilidade política. Menos mal. Assim que se encorpa e fortalece uma tese.
Antes mesmo do impeachment de Dilma, em 2015, a Rede defendia a antecipação das eleições pelo julgamento da chapa Dilma-Temer pelo TSE. Naquela época, o PT dizia que eleição presidencial era golpe. Tinha seus motivos, pois, ainda, mantinha ilusões de que Dilma não cairia. Perdeu o bonde da história. Agora não. Fora do poder, empunha com todo vigor a tese das Diretas Já. É pouco. Precisamos é de eleições gerais, com Constituinte exclusiva.
Nesse sentido, por incrível que pareça, a percepção de FHC clamando por eleições gerais se coloca bem à frente do PT. O atual Congresso perdeu a legitimidade por completo para aprovar seja lá o que for, muito menos as reformas que o país precisa. Mormente, um pacote de reformas que a população não endossa.
Nas eleições de 2014 a maioria votou exatamente ao contrário, ao rejeitar o discurso de Aécio, em que pese o fato de Dilma ter capitulado implementando o programa de seu adversário. Não é esse conteúdo de reformas, de austeridade fiscal e recessivo, que penaliza os assalariados que a população apoia. Sua discordância ficou demonstrada no resultado das eleições de 2014 e reafirmado pelas recentes pesquisas de opinião.
Em um país com tamanha desigualdade social e desestruturado socialmente não podia ser diferente. Precisa, sim, de reformas, mas não essas. Reformas que buscam o equilíbrio fiscal, mas que recaia sobre os privilégios, com imposto progressivo sobre as grandes fortunas e que confisque os bens de todos os grandes empresários envolvidos nos escândalos da Lava Jato. Ora, não se confisca as propriedades de quem planta maconha. Muito mais grave foi o que fizeram patrocinando uma incomensurável corrupção. Quem sabe, assim, irão pensar dez vezes antes de oferecer vantagens, favorecimentos e propinas. Que vayan todos!