Notícias
Deputados querem enviar emendas direto a prefeitos
Em ano eleitoral, emenda jabuti cria uma nova modalidade de transferências que vai possibilitar o envio de ao menos R$ 130 milhões, sem fiscalização prévia, para os municípios
Em ano eleitoral, a Assembleia Legislativa deve criar uma nova modalidade para as emendas impositivas dos deputados estaduais que pode transferir, diretamente a prefeitos ou entidades, quase R$ 130 milhões a partir de 2023. Esse é o montante correspondente a 30% do total previsto de emendas parlamentares para o próximo ano e que poderá ser usado para quase qualquer finalidade sem fiscalização prévia.
Trata-se das transferências especiais, tipo de emendas apelidada de “pix orçamentário” justamente porque transfere o dinheiro, sem necessidade de projeto prévio, e que vale no âmbito federal desde 2020, sendo questionado pelos órgãos de controle porque dificulta a transparência e a fiscalização dos gastos públicos.
A nova modalidade é criada em Goiás por uma emenda jabuti — quando a emenda entra em um projeto de assunto completamente diferente — colocada pelo deputado Henrique Arantes (MDB) na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do governo que autoriza os municípios goianos a aderirem ao Regime de Previdência Complementar (RPC) estadual.
A PEC recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa nesta quinta-feira (2) e agora segue para plenário. O texto prevê que o novo regramento passe a valer já para este ano, quando a maioria dos deputados deve disputar a eleição, seja buscando outros quatro anos na Assembleia ou assentos em outras Casas, como a Câmara Federal e o Senado.
Neste ano, os deputados têm direito a aproximadamente R$ 387 milhões em emendas, o que garantiria mais de R$ 110 milhões a serem transferidos às bases eleitorais dos deputados que são pré-candidatos. Porém, segundo especialistas ouvidos pelo POPULAR, para valer já em 2022, seria necessário alterar a Lei Orçamentária Anual (LOA).
Isso ocorre porque a LOA prevê a realização de convênios com o estado para a liberação dos recursos das emendas. Além disso, a emenda também permite aplicação das transferências especiais às emendas empenhadas em 2021, mas não pagas.
Os R$ 110 milhões de emendas que não são para saúde e educação apresentadas para este ano são destinados a 205 municípios, sendo Goiânia (R$ 11 milhões), Formosa (R$ 2,5 milhões), Quirinópolis (R$ 2,2 milhões) e Rio Verde (R$ 2,2 milhões) as cidades mais beneficiadas. As emendas são para áreas como agricultura, cultura, desenvolvimento social, infraestrutura e segurança pública.
Na agricultura, boa parte das emendas é para aquisição de maquinário, como plantadeiras e tratores. Em infraestrutura, as emendas são para aquisição de equipamentos, mas também para asfalto, além de obras estruturantes.
Nessa área, há uma emenda de R$ 200 mil do deputado Hélio de Sousa (PSDB) para “reforma e ampliação da Câmara Municipal de Niquelândia”. Ele obteve 1.220 votos na cidade na eleição de 2018.
Quem também destinou recursos para construção da sede de uma Câmara de Vereadores foi Iso Moreira (UB): R$ 200 mil para Divinópolis. O deputado, que está afastado do mandato por questões de saúde, conseguiu 445 votos na cidade no pleito anterior.
Há também uma emenda de R$ 100 mil do deputado Francisco Oliveira (MDB) para a aquisição de veículo “para uso dos vereadores” de São Patrício. O parlamentar obteve apenas um voto no município há quatro anos, quando ficou como suplente — ele assumiu a cadeira em 2021, no lugar de Diego Sorgatto, eleito prefeito de Luziânia na eleição do ano anterior.
CONTEXTO
O texto aprovado pela CCJ não muda a obrigação, já válida na Constituição Estadual, de que 70% das emendas parlamentares sejam obrigatoriamente destinadas à saúde e à educação. Por isso, o limite de 30% — em 2023, os deputados devem ter quase R$ 430 milhões em emendas, o que garante R$ 10,4 milhões para cada um dos 41 deputados, dos quais R$ 3,1 milhões poderão ser destinados via transferências especiais.
Ao POPULAR, Henrique Arantes diz que apresentou a emenda “para diminuir a burocracia na celebração dos convênios”. “O deputado põe dinheiro para uma reforma e pedem um monte de projetos que a prefeitura não vai ter a capacidade técnica para fazer. Tendo o dinheiro, ela vai conseguir fazer a obra.”
Questionado sobre a falta de controle do gasto público gerado pela modalidade, ele argumenta que “o prefeito vai ter que prestar conta do mesmo jeito”. “Da forma como está hoje é excesso de zelo. O município terá que prestar contas para o estado, e as assessorias dos deputados podem ajudar as prefeituras a executar os recursos.”
O presidente da Assembleia Legislativa, Lissauer Vieira (PSD), também defende a nova modalidade. Segundo ele, ela é necessária para “agilizar a liberação das emendas que estão tendo problemas”. “São obras que são mais difíceis de serem pagas por questões burocráticas. Emendas que estão na Secretaria de Governo. Então, essa modalidade dá mais celeridade.”
Ele diz que a emenda colocada na PEC foi feita “em sintonia” com a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e que é legal. “É algo feito pelo governo federal e por outros estados também”, relata. À CBN Goiânia nesta quinta-feira, o governador Ronaldo Caiado (UB) se recusou a comentar o assunto alegando não conhecer o conteúdo da emenda.
Fonte: Marcos Nunes Correria / O Popular